Você está aqui
Evento debate representatividade negra no Ministério Público brasileiro
A representatividade negra no Ministério Público brasileiro foi tema de debate ontem, dia 21, na sede do Ministério Público estadual, no CAB. “O Brasil foi o último país a abolir a escravidão no continente americano, mas continuamos vivenciando um processo de marginalização da sociedade. Vivemos numa lógica de reprodução do racismo em que, na realidade das pessoas negras, não há como elas não sofrerem racismo diariamente”, destacou a promotora de Justiça Lívia Vaz. Na ocasião, ela apresentou os dados do perfil étnico-racial dos membros e servidores do Ministério Público brasileiro, divulgado em julho pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). O estudo mostrou que há apenas 15,8% de negros, sendo 10,4% de homens negros e 5,4% de mulheres negras. “Se temos um Sistema de Justiça cis e branco, teremos uma visão limitada. Quando determinados grupos estão impedidos de alcançar espaços decisórios de poder, não temos uma democracia”, disse.
A promotora de Justiça Lívia Vaz comentou que o racismo institucional também está presente nas instituições privadas, citando uma pesquisa do Instituto Ethos 2016 acerca da presença de negros nas 500 maiores empresas privadas no Brasil. O estudo mostra que nos cargos mais baixos na organização, como os de trainee e aprendizes, há um total de 58,2% e 57,5% de negros, mas nos altos cargos como de gerência e conselho administrativo, a presença negra é de apenas 6,3% e 4,9%, respectivamente.
Ela falou também sobre a importância das cotas raciais para aumentar a presença negra nos espaços de poder e como garantia de reparação mínima, destacando a importância de se traçar medidas para aumentar a presença negra nas instituições, incluindo a mudança dos custos de inscrição das provas, concessão de bolsas de estudo para cotistas e diversificação dos títulos exigidos na etapa de provas de títulos. “Porque é mais importante uma pessoa que tem doutorado do que, por exemplo, experiências em voluntariado?”, questionou. Outras sugestões da promotora de Justiça para oportunizar o acesso dos negros nos concursos públicos incluem a mudança nas provas orais – para que se tornem classificatórias e não eliminatórias, e que as cotas sejam válidas para todas as fases da carreira, sobretudo para a nomeação/lotação dos servidores.
O painel contou ainda com a apresentação do promotor de Justiça Edvaldo Vivas, coordenador do Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos (CAODH), que falou sobre o Programa de Enfrentamento ao Racismo Institucional (Peri) e o antirracismo como política institucional e a apresentação da servidora Delina Santos Azevedo, que falou sobre as linhas de pesquisa e sobre o Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Racismo (GEPR). “Um dos objetivos é a elaboração de um plano de trabalho unificado para sua implementação, transformando o Peri em programa de prioridade estratégica no MP”, ressaltou o promotor. O objetivo do programa é combater a reprodução da hierarquização racial da sociedade e fomentar no MP o combate ao racismo e à intolerância religiosa, além de implementar ações de prevenção ao racismo institucional.
O programa visa inserir no planejamento estratégico da Instituição a defesa dos interesses dos grupos étnico-raciais historicamente discriminados; elaboração de plano de ação estratégico, inclusive com indicadores para monitoramento do plano de ação; e a criação de fluxos para adoção de medidas administrativas e disciplinares para o enfrentamento da prática de racismo, injúria racial ou intolerância religiosa, ocorrida dentro do MP, envolvendo seus membros, servidores e estagiários. O programa pretende ainda avaliar e combater eventuais obstáculos nos editais e fluxos dos concursos públicos do MP ao preenchimento de vagas reservadas a pessoas negras.
Lançamento do documentário ‘Não menos estimado, Dr. Brasil’
Na ocasião, houve o lançamento do documentário ‘Não menos estimado, Dr. Brasil – um promotor negro no MP da Bahia’, sobre o promotor de Justiça Theodomiro Brasil, que atuou como promotor de Justiça no MP baiano entre os anos de 1945 e 1970. O documentário foi apresentado pelos servidores do MP George Brito e Manuela Damasceno, e pela bacharel em filosofia Laila Beirão. “Só tínhamos, apenas, uma foto encontrada na internet. E daí buscamos pessoas nos municípios que ele trabalhou e viajamos para o interior buscando informações sobre Theodomiro. Chegamos à neta dele, Cláudia Brasil, e conseguimos obter informações sobre a vida dele, que foi um dos primeiros promotores de Justiça negros do MP baiano”, afirmou.
O lançamento do documentário contou com a presença de familiares de Theodomiro, entre as quais a neta Cláudia Brasil. “Foi emocionante ver esse documentário maravilhoso. Meu avô foi uma pessoa que me inspirou, me ensinou que eu poderia ser o que quisesse ser”, disse Cláudia. “O documentário foi resultado de um trabalho coletivo, que inclusive abre caminho para novas pesquisas que busquem mapear a trajetória de outros sujeitos históricos negros no Sistema de Justiça, especialmente no MP baiano, o que trará uma contribuição valiosa para a produção historiográfica brasileira”, destacou o analista George Brito. O trabalho de pesquisa e produção do documentário contou também com a participação dos servidores Miguel Soares e Humberto Filho.
Crédito das fotos: Sérgio Figueiredo